Baba Yaga e Vasilissa

História assustadora do russo Alexander Afanasyev

Em um certo reino vivia um mercador. Ele foi casado por doze anos e tinha uma filha, chamada Vasilissa. Quando a menina completou oito anos, sua mãe ficou muito doente e, sentindo que não sobreviveria, chamou sua filha, deu a ela uma bonequinha de madeira e disse:

– Minha pequena Vasilissa, minha querida filha, escute o que eu digo. Eu estou morrendo e com a minha bênção, deixo a você esta bonequinha. Ela é muito preciosa, pois não há outra igual no mundo todo. Carregue-a sempre com você, em seu bolso, e nunca a mostre para ninguém. Quando o mal a ameaçar ou a tristeza cair sobre você, vá até um cantinho, pegue a boneca de seu bolso e dê a ela alguma coisa para comer e beber. Ela vai comer e beber um pouquinho, e então você poderá contar-lhe sua aflição e pedir-lhe conselhos. Ela lhe dirá como agir em horas de necessidade.

Assim dizendo, ela beijou a filhinha na testa, abençoou-a e pouco depois morreu.

A pequena Vasilissa sofreu muito com a perda da mãe. Quando chegou a noite ela deitou-se em sua cama, retirou a bonequinha de seu bolso e deu a ela um pedaço de pão e um pouco de água. A bonequinha imediatamente tomou vida, comeu e bebeu e então falou com a menina:

– Não chore, pequena Vasilissa. A dor é pior à noite. Deite-se, feche seus olhos, console-se e vá dormir. A manhã é mais sábia do que a noite.

Então Vasilissa deitou-se e dormiu. No dia seguinte, sua tristeza era menos profunda e, suas lágrimas, menos amargas.

Depois da morte de sua esposa, o mercador manteve o luto pelo tempo apropriado e começou a procurar uma mulher para se casar. Como era homem de muitas posses encontrou logo uma pretendente que era viúva e tinha duas filhas. Casou-se com ela.

Em pouco tempo Vasilissa percebeu que sua madrasta estava longe de ser uma boa pessoa. Ela era uma mulher fria e cruel e tratava a menina muito mal. Ela obrigava Vasilissa a fazer todas as tarefas domésticas e ainda a ameaçava caso ela contasse a seu pai.

Vendo que a menina se esforçava para cumprir o que tinha mandado, a malvada madrasta começou a dar tarefas cada vez mais impossíveis à menina e, para dar conta, a garota tinha que ficar acordada a noite toda trabalhando.

Um dia, muito cansada de tanto trabalhar ela se lembrou da bonequinha, deu a ela um pouco de pão e leite e pediu seus conselhos.

– Vá dormir, minha querida, descanse que eu faço todo o trabalho! – disse a bonequinha.

Então, todas as noites a menina pedia ajuda à bonequinha. A madrasta ficava inconformada, por que, por mais tarefas que desse a menina, ela sempre cumpria todas e ainda não parecia sequer cansada.

Um dia, o pai de Vasilissa avisou que faria uma viagem de negócios e ficaria muito tempo ausente. Ele se despediu da menina, a abençoou e partiu. A madrasta viu então a oportunidade de se livrar da menina.

Começou a mandá-la todos os dias à floresta para buscar lenha, cogumelos, flores e outras coisas, mas sua verdadeira intenção era que a menina se perdesse e fosse parar na casa da Baba Yaga, uma bruxa muito poderosa que lá vivia e que se alimentava de crianças como se fossem galinhas.

Porém, Vasilissa era aconselhada pela bonequinha e, além de nunca se perder, passava longe da casa da bruxa.

Mais uma vez, inconformada em ver a menina voltar todos os dias sã e salva, a madrasta resolveu pôr em prática um novo plano para acabar com a menina.

Numa noite de outono, a madrasta chamou as três garotas e deu uma tarefa a cada uma. A uma de suas filhas incumbiu tecer um pedaço de renda, à outra, mandou tricotar uma touca e à Vasilissa, deu uma bacia de linho para ser fiado.

A mulher ordenou que cada uma terminasse sua parte, e então apagou todas as fogueiras da casa, deixando apenas uma única vela acesa no quarto onde as três trabalhavam e foi dormir.

Enquanto trabalhavam, a irmã mais velha, aconselhada pela mãe, apagou, como por acidente, a vela.

Ela chamou a sua mãe que disse:

– O que faremos agora? As fogueiras estão todas apagadas, não há qualquer luz em toda a casa, como viveremos sem fogo! Não poderemos cozinhar ou aquecer a casa, sem fogo morreremos. Vasilissa, você deverá ir à casa da Baba Yaga para buscar fogo.

A menina ficou apavorada, mas se lembrou da bonequinha, colocou um pedaço de pão no bolso e foi para a floresta.

– Não volte sem o fogo! – gritou a madrasta, enquanto Vasilissa entrava na floresta.

Assim que entrou, a menina pegou a bonequinha, deu a ela um pedaço de pão e então contou o seu problema.

– Diga-me, o que devo fazer, bonequinha?

– Não tema, pequena Vasilissa. Faça o que mandaram. Enquanto eu estiver com você, nenhum mal a velha bruxa lhe causará.

Então, Vasilissa colocou a bonequinha de volta no bolso, fez o sinal da cruz e começou a entrar na floresta escura e selvagem.

Ela caminhou por muito tempo quando, de repente, ouviu o som dos cascos de um cavalo e um homem passou a galope por ela. O cavalo era branco e o homem estava vestido todo de branco também. Quando ele passou por ela, a floresta começou a clarear. Pouco tempo depois passou outro cavalo com seu cavaleiro, esse cavalo era ruivo e o cavaleiro estava vestido todo de vermelho e, assim que passou por ela, o sol nasceu no horizonte.

Durante aquele dia inteiro, Vasilissa caminhou, pois havia se perdido. Ela não conseguia achar qualquer caminho na floresta escura e não tinha mais nenhuma comida para pôr diante da bonequinha e fazê-la criar vida.

No final da tarde ela viu de longe a casa da Baba Yaga em uma clareira. A parede ao redor da cabana era feita de ossos humanos e no seu teto havia caveiras. Havia um portão no muro, cujas dobradiças eram ossos de pés humanos e, as fechaduras, ossos de mandíbulas humanas, com dentes afiados.

Essa visão horrorizou Vasilissa e ela parou, imóvel como uma coluna enterrada no chão.

Enquanto ela permanecia ali, parada, um terceiro homem a cavalo veio galopando. Ele estava todo vestido de preto e o cavalo que ele montava era da cor do carvão. Imediatamente a noite chegou e a floresta escureceu.

Mas não estava escuro na clareira, pois instantaneamente todos os olhos das caveiras no muro se acenderam e brilharam até o local se tornar claro como o dia.

Quando viu isso, Vasilissa começou a tremer toda.

Então, de repente, a floresta se encheu de um barulho terrível, as árvores começaram a gemer, os galhos a chiar, as folhas secas a se agitar e a Baba Yaga veio voando em sua vassoura.

Quando parou na frente de sua casa, ela sentiu o cheiro da menina.

– Quem está aí? – gritou a bruxa.

– Sou eu, me chamo Vasilissa, vim pedir seu fogo emprestado pois todo o nosso fogo se apagou.

– Vamos fazer um acordo, eu te dou o fogo, mas para isso, você deverá fazer alguns trabalhos para pagar por ele. Se não cumprir o que eu mandar você será a comida da minha ceia.

Quando elas entraram na cabana, a velha bruxa ordenou que Vasilissa pegasse a comida do forno e servisse a ela. Vasilissa fez o que ela ordenou e, quando e velha estava saciada, disse:

– Vou dormir, amanhã, quando eu tiver saído, quero que varra o chão, limpe a casa e cozinhe meu jantar.

Assim que Baba Yaga começou a roncar Vasilissa pegou um pouco da comida e deu a sua boneca.

– Diga-me, o que devo fazer?

– Não tenha medo, Vasilissa. Reconforte-se. Ore e vá dormir, a manhã é mais sábia que a noite. Amanhã te ajudarei nas tarefas.

Quando acordou, muito cedo na manhã seguinte, ainda estava escuro. A menina levantou-se e olhou pela janela, viu o cavaleiro de branco passar e o dia começou a ficar claro. A bruxa estava no quintal, subiu em sua vassoura e voou para longe. Pouco depois o cavaleiro vermelho passou e o sol nasceu.

Vasilissa chamou sua bonequinha que fez todas as tarefas, deixando somente o jantar para a menina preparar.

Quando estava perto de anoitecer, ela pôs a mesa para a ceia da velha bruxa e sentou-se, olhando pela janela, esperando-a chegar. Depois de um tempo, ouviu o som dos cascos e viu o cavaleiro preto passar e, junto com ele, a noite chegou. Pouco depois chegou Baba Yaga.

– Bem, você fez perfeitamente todas as tarefas que ordenei, ou devo comê-la no meu jantar?

– Faça o favor e veja por si mesma – respondeu Vasilissa.

A Baba Yaga foi a todo lugar, examinando tudo cuidadosamente. Mas por mais que ela tentasse, não conseguia achar um defeito do qual reclamar.

Depois de se deliciar com o jantar a bruxa falou:

– Amanhã, faça tudo como fez hoje!

Por muitos dias Vasilissa ficou morando com a bruxa, fazendo tudo o que ela mandava com a ajuda de sua bonequinha.

Um dia, depois de voltar para casa, a bruxa perguntou à menina:

– Como foi capaz, em tão pouco tempo, de executar perfeitamente todas as tarefas que lhe dei? Diga-me!

Vasilissa ficou com medo de contar sobre a bonequinha, então respondeu:

– É a benção de minha falecida mãe que me ajuda.

Então a Baba Yaga levantou-se, tomada pela fúria.

– Ponha-se para fora da minha casa já! Não quero ninguém que carrega uma bênção cruzando meus domínios! Suma daqui!

Vasilissa correu para o quintal e antes de cruzar o portão a velha gritou:

– Tome! É o fogo que você queria!

A velha jogou para a menina uma das caveiras, onde o fogo queimava dentro, Vasilissa colocou a caveira na ponta de uma vara e foi embora na escuridão da floresta.

Quando o dia começou a amanhecer, ela chegou em sua casa.

A madrasta não acreditou no que via, mas ao mesmo tempo ficou feliz em vê-la. Desde a sua saída nunca mais conseguiram fazer fogo na casa, e quando conseguiam ele se apagava rapidamente, elas já estavam passando fome.

Portanto agora, pela primeira vez em sua vida, Vasilissa sentiu-se bem-vinda. Elas lhe abriram a porta e a madrasta pegou a caveira para acender o fogo, mas assim que a segurou, os olhos da caveira começaram a brilhar e lampejar como carvões vermelhos e, para onde quer que as três se virassem ou corressem, os olhos as perseguiam, crescendo. Assim, a esposa do mercador e suas duas filhas perversas pegaram fogo e se reduziram a pó.

Só Vasilissa foi poupada.

No dia seguinte, depois de acender o fogo, Vasilissa enterrou a caveira longe de sua casa.

Poucos dias depois seu pai voltou e Vasilissa lhe contou tudo o que havia acontecido. Ele ficou muito feliz que a filha estivesse sã e salva e se arrependeu por ter colocado uma mulher tão malvada em suas vidas.

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Clique aqui para ler a história A vingança do sal

7 comentários em “Baba Yaga e Vasilissa”

  1. Essa história é muito macabra e pesada pra contar pra uma criança antes de dormir.
    Tive que parar no meio pro meu filho não ter pesadelos à noite!

    1. Desculpe Murilo, todos os clássicos dos contos de fadas, na história original, são cheios de psicopatas e assassinos, neste mesmo eu tirei muitas partes e minimizei outras pra ficar mais suave, pelo jeito ainda não foi suficiente. 🙁 Minha vó não tinha não tinha a menor dó de mim, kkkk contava até histórias de suicidas (esta eu não coloquei no site). Vou começar a colocar avisos antes da história, aí os pais decidem se contam ou não.

  2. Pingback: O caçador de Matintas – Histórias que minha avó contava

  3. Meu filho gosta de histórias assim. São assustadoras, mais não aterrorizantes. E teve um final justo (podemos dizer). Se puder colocar mais histórias assim, agradecería.

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